quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Catatônico


Diagonalmente estático
Já com escaras,
De tanto tempo.
Ainda pisca o olho
Como se fechá-lo
Por um instante
Provasse o viver.

Me resta então
O ato de coragem:
Abro um sorriso
Dentro da testa
Quando vejo a enfermeira
Novamente reto
Passar pelo corredor.

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Voltas


Cada lugar que conheço
Me faz uma vez mais apátrida,
Órfão que explora fotos
Para ali novamente desencontrar seus pais.

E meu peito se enche de buracos
Levemente povoados,
Como pequenos vilarejos em crateras
Que invadem a vida desavisada
Quando pisco os olhos
Por tempo demais.

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Não Me Esqueci Daquela Rua de Terra Vermelha


Não me esqueci
Daquela rua de terra vermelha,
Das portas abertas nas casas
Amarelas, de pintura descascada.
Das crianças que saíam a rua
Com suas bandejas vendendo
Asas de frangos magros.

Não me esqueci do batuque
E o ruído da harpa estranha
Soando pelo de cabra e linhas de pesca
Que fugia por alguma fresta
Moradia vazia que não pude encontrar.

Não me esqueci dos pelos da muzúbia
Molhados feito na grama orvalho,
 De fluidos e de suor.
Nem do ruído dos mosquetes
Ingleses, enferrujados, ainda tentando atirar.

E mesmo despertando toda manhã
Sob o peso de cartas e contracheques;
Com as narinas cheirando o sal do charque
Produzido para cobrir nenhuma distância,
Ainda sonho sedento, com o sangue que pingava,
Mágico corte feito pelo africano na branca jugular,
Rendendo dias de festa:
Cachaça, farinha e peixe fresco.

domingo, 2 de setembro de 2012

Coxas


Os triângulos de carne crua
Vão formando uma rede.
As pupilas de açougueiros
Famintas estão em frente.

A jovem  de coxas esplêndidas,
Formosas facas gordas,
Salta nessa rede: a faz cama e elástica
Como a si.

E se oferece a carnificina
Em seu traje laranja
Nada vazio.
Goza às claras
Com as dezenas de mãos a tocando
Sorri com volúpia,
Grita: Meu corpo é deles, só deles!

Molduras


Molduras e molduras empilhadas
Sob elas meu corpo, deitado.
A luz transpassa as fendas,
Me intriga, ainda pode ser alcançada?

Mordo devagar  uma a uma,
Roendo como rato, já que o braço
Lesionados não levanta.
As felpas fazem cócegas na garganta,
O sono me toma.
Acho que amanhã eu tudo vejo.
Será?

quinta-feira, 19 de julho de 2012

Vermelho


Sombra, rainha da direção
Assassina do movimento
É sua homogeneidade
Uma invenção humana
Ou o humano uma invenção dessa?

A civilização, só mais um
Grande empreendimento do conforto,
Com seu infinito potencial
De construir e sentar.

Nós, aves planando
Cheias de ditos bonito e repetitivos
Que as vezes entendemos
Quando chove antes de deitar.

Você, soprando palavras
De um café carcomido  e vermelho,
Longe como a água.
És o que sobra, perigo do vagar
E recebes meu córrego tranqüilo.


Versão Poética Sonora:

http://soundcloud.com/denis-saffer/vermelho

quinta-feira, 12 de julho de 2012

Ambulantes

Acho que as ambulâncias vêm me seguindo
As encontro a cada instância, a cada esquina.
E como é agradável seu efeito doppler:
Notas alcançando o grave
Dor de outro se distanciando
Seguro sentimento de que não há
Nada para furar os fones de ouvido.

quarta-feira, 4 de julho de 2012

Enfim


Enfim, o que importa é ser vivo
Sem diferença entre o bêbado, o engenheiro, o fuzileiro naval:
Quem não traga não morde.

Tragam-me eslavas e escravas, ardentes como peles opostas
Tragam cigarros longos, excessivamente longos.
Sem traço e Norte, sem aconchego,
Não há vida fora disso.

Os conceitos se somam na mente,
Um aterro de armações de ferro
Bases de prédios que odiamos,
Como um velho que odeia ao seu câncer, seu.

E vocês silentes ou discursivos
Já sentiram a poeira cortante
Da caçamba de caminhão?
Já fumaram o ópio indiano
Frente a desfiles de seda e música
E jóias e cores e notas outras?

Escuto a balela e acredito,
Como Jó em Deus.
Promessa de entendimento perdido
Máscara de beleza se botando entre tudo e tudo.
Queria poder ver os pepinos nos olhos.

domingo, 1 de julho de 2012

Anti Ode a Walt Whitman III


Estabelecer o caos, pintar vidros,
Serrar braços e braços de estátuas.
Liderar hordas de mendigos com bandeiras pontiagudas
Ajudar em enterros, cascudos em crianças sem culpa.

Furar na rua os canos de dinheiro que ligam
Os caixas eletrônicos aos bancos.
Chamar os leprosos para lá deixar os dedos.
E depois ver a multidão frente a membros e valores.

Criar um país, um sistema de voto diferencial
Uma distribuição de renda determinada pela forma da fenda nasal

Fazer um inventário das pintas do próprio corpo
A partir delas pintar o quarto do inimigo.
Contar histórias mentirosas que se contradigam.

Rir da dor doendo do riso sem sentido.
Sentir a maciez da carne do passarinho
Pintar de vermelho o corpo da fêmea pura
Penetrar bebendo o colostro na que recém-pariu.

O físico pode assim definhar satisfeito?
Virão os devaneios de nuvem e éter.
Após o sono sem sonhos?

Sei que o caminho é musgo vivo
Que a água movida às vezes é morna.
Sei que tenho pés e braços e nado
Rápido, antes que a maré baixe.

domingo, 17 de junho de 2012

Nota de suicídio


O pior do doído é quando ele é vago
Dor de dor.
Cobrindo todos os monstros
Coloco um lençol
Que sustento, amo,
Como a roupa lavada pela mãe.
Vergonha de fechar os olhos
Antes de dormir,
Perdão por tudo que fiz
Morte em vida
Adeus.

Campo de Visão

Banco o banco da praça
Lugar do sim ao fim de tarde.

Do lado esquerdo
A silhueta de um homem
Que não existe, nunca chega,
Mas vindo, vindo...

Do outro
Num canteiro cimentado
Flores moídas, doídas,
Arame farpado.

E no centro
O chafariz convulsiona
Molhando pingo a pingo
O céu cor de chumbo.

sábado, 9 de junho de 2012

Retração

O calor do meio da tarde pulsando
Um sorriso solto e pesado no rosto
Sento na calçada já que não há banco
Enquanto vejo se retraírem lentamente 
Os dentes que cercam meus olhos.

segunda-feira, 23 de abril de 2012

Estado Afeitvo

O estado é a parede de colchões
Que forra a solitária
De um hospício.

E a velhinha tricotando
Sabe muito bem disso
Quando vê na televisão,
O presidente anunciar amigável
Que a aposentadoria subirá
No Primeiro de Maio.

Abraça seu cachorrinho
E diz-lhe que vai haver mais ração
Pensa como num amante na Constituição
E relaxa as costas doídas no sofá
Para assistir a novela.

trilha sonora: Talking Heads - Don't worry about the government

sábado, 21 de abril de 2012

Permanencia

Imagina passar a noite hoje
Como quando eu era um garoto de quinze anos
Sentado frente ao computador
Bebendo o whisky escondido do meu pai
Enquanto idealiza alguma festa que não podia estar.

Aprendendo a minha dor junto a música
De voz grave e guitarra.
Repetindo letras como fossem minhas
Inventando “mr tambourine man” todos os dias
“I’m not sleepy and there´s no place I’m going to”.

Pedindo a mão do tempo para ele me levar
Para algum futuro mais bonito ou escuro.
Cansado dos maneirismo e meios-termos,
Cheio da madura descrença de um homem velho.
O passado permanece.

quarta-feira, 4 de abril de 2012

Lua molhada

A lua molhada
Chama ao mergulho
Quando a vemos
Por trás do viaduto.

Prato Forte e Sobremesa

Terneiro

Mamão.

Guarda

Quando toquei o violão novamente
Ouvi o quanto de noite tinha se guardado
Nele nesses anos de guarda-pó.

Estiro

Viu o corpo dela deitado
Sobre a cama e pensou
Que bela hora para uma refeição.
.....................................................
Quando saiu do quarto
Só se viam os gritos vermelhos
Gravados pelas paredes.

Wiliam Carlos Wiliams

Wiliam Carlos Wiliams
Sentado no parque
Verde de fim de outono
A escrever.

Decisão

Como é difícil
O sem mais nem menos.
Tumbum!
(E a porta caiu no chão...)

Série Mínimo

Há palavras demais, só há que escolher as certas,
Mínimas.

Inspiração: Drive e Wiliam Carlos Wiliams

quinta-feira, 29 de março de 2012

Consumido e Consumado (Banho)

Sentado
Deixo a água esquentada
Passar pelo meus ombros
Enquanto imagens escorrem
Por minha medula.
O gosto da maconha na boca.
O desejo de ópio e de Oriente
Me invade pela orelha
Em alguma música.

Carros varrem as ruas vermelhas
Do meu desejo,
Desbotando no lugar vivo o que não via.
Vias inteiras abertas fluem.
Força a porta um homem,
Não consegue entrar.
A jovem sim entra
Cheia de pernas
Enlaçando a carne lacinante
Antes de transformar-se em nada.
Tocando minha pele tambor
Suando o vapor que já existia
Em um gosto novo, sincero e salgado.

Antes entrava na nova vida
Agora afundo nela.
Carro mil cavalos rumando ao fundo
Engolido na areia negra.
Vento imbatível derruba tudo pela frente
Até empacar em uma cordilheira de árvores
Caídas.

Escalo, passo a pé, o ferro-velho
Depósito de máquinas enterradas na terra.
Quão engenhosos seus propósitos
Se alaranjado na chuva.
Talvez eu pise em um botão que me ejete,
Para outro mundo ainda.

Onde entre lagos e pastos
Ressurjo, Géiser, limpo, novo
Pronto para grande bravata
De mais uma noite na cama.

quarta-feira, 21 de março de 2012

Pouco?

Será que não seria melhor
Ser somente um pensador
Sentar jogando palavras para o alto
Para gatos ou peixes morderem
Enquanto o mundo me arde no canto da boca?

Será que não seria mais agradável
Abdicar dessa pilha de quedas
De falhas que se apresentam infalíveis
Em toques que a tudo quebram,
Barro que depois de lindo e seco racha?

Talvez suficiente seria jogar um currículo
Conseguir um emprego em qualquer porta
Que garantisse o uísque e o tempo da noite
O livro e o espaço da cabeça.

Uma vida silenciosamente genial, clandestinamente bonita
Casos pequenos como um beijo
Grandes como uma cama.
Passos arrastados e dançantes
Sapato mal-lustrado em meio aos arranha-céus.

Uma vida
Despretensiosa ao extremo de desistir de ser o que sonha
De se bastar com tudo que não existe, sem culpa
Confundindo a existência sonolenta
Com o sono do sempre.

domingo, 11 de março de 2012

Tudo é tão pouco

A dor de sábado a noite
E a lágrima derramada no cinema:
Tudo é tão pouco
Enquanto continuo sentado
Sob meu próprio nariz.

A mão que toca tímida a outra
Já não é minha, nem de metal
O filho não é meu, nem o carro
Muito menos a casa.

Ainda o eco logo vem para preservar
O que sobrou de um palito de dente nervoso
Mastigado por uma mandíbula de madeira
Que ressoa caixa acústica
O longo silêncio da lua.

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Roleta Chinesa

E de que vale tentar ser humano,
Se colocar entre silêncios velados
Formando triângulos e linhas
Entretessendo dentes e lábios?
Entre paredes, vendo por meio de vidros:
Vasos comunicantes silenciosos
Que não comunicam nada
Como tambores de freio.

Depois de décadas de décadas
De humanismo, devemos buscar
O exato contrário de ser humanos,
Nos desumanizar.
Ouvir um narrador de documentário
Contar sobre a solidariedade dos orangotangos.
Ser mais plástico em paz, sentindo sangue
Correr por dentro.

Nos tocamos, mas há pó incrustado em nossa pele
Luva de borracha que nos envolve, P
rotegendo do micróbio da des(graça),
Cobertor anti-sol ou tragédia.

Frente a isso
A menina aleijada arrasta a muleta,
Olha para os homens que a deixaram assim.
Chupando picolé e levantando a saia,
Despe suas pernas curvilíneas
Até chegar ao joelho salpicado de pinos de ferro
E sorri.