sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Ligeiramente

Deitou sem nenhuma reclamação
Específica, com um desejo simples:
Que o travesseiro fosse um lexotan
E os dedos não escapassem do cobertor.

Acordei antes de ter adormecido.
Algo no semi-sono gritava negro como
A pupila pós dia de matança ou festa.
(No fim não é igual?)

Despertaram assustados como o despertador
Todos lados da discórdia dizendo sim
Entre quatro paredes e duas orelhas.

E vimos dentro e fora.
Os livros cabeçaprabaixos na prateleira
Uma chibatada e os pés correndo abertos
Arrastando terra pelos lados:
Tudo ligeiramente fora do lugar

terça-feira, 13 de setembro de 2011

Da morte Segunda

O desejo de um estado de sítio
Qualquer, até o fim do estado.
Onde há muita vida há muita morte?
Por que não os dois assim
Gozo e sangue?
Não, não suportamos nem o peso
De um simples saco de batata.
Gozo e sangue?
A felicidade na lesão?
Sim,
Deixa para os supersantos
Campeões do desejo completo
Que vivem no imaginário de
Qualquer boate de porão.
Esses que tocam o tempo como
Se fosse alguma massa
Com molho seco jogada na geladeira.
Para quem o brilho do pingo de cerveja
Derramado no sapato ofusca a luz do poste
Que o ilumina.

Ainda melhor do que o dia
Onde as segundas forem infinitas.
Viu um nó de gravata mal-feito
Sem gravata, só aquele losango
Irregular, informe, em sonho.
Acordou gritando como se fosse o último suspiro
De um tempo por vir.
E pedindo: Não para mim senhor almofada de dentro!
Cadê o estilete e as plumas, as ruínas, as rumbas?
Digo, como se corta tudo isso, ou pior como se liga?
Se ordena em pirâmides seladas por números. Romanos, talvez?

Não vamos sentar na privada
Deixar o mundo desaparecer em jornais,
Até voltar para sala e acender outro café?
Devolvam-me o gozo e o sangue logo!
Porque as baratas levantam as antenas
Antes que nós as orelhas do travesseiro
E nos escutam antes que pensemos em dizer....

domingo, 4 de setembro de 2011

Em dia de calor, até pássaro negro se derrete.



Ela viu o laranja do guarda-sol em dia de verão nublado,
Descolou o pé da sapatilha, colocou fundinho na terra.
Era tarde, era praça e os músicos de rua bailavam o povo
Com suas violas, guitarras, trompetes, saxes e jazzes.

O vestido verde água dela, curtinho, se ensaiava ao vento,
Mas o corpo seguia como o pé, enterradinho na terra.
Pegou a máquina e decidiu fotografar, capturar para amanhã
Os movimentos que não eram seus agora. Queria gravar as estranhas
Expressões que aparecem, quando se congela os que se mexem.

Então, cuidadosa, começou a rodear os dançarinos, em seus pares
Coloridos, ímpares, cantando com as pernas em meio à música instrumental.

O click da máquina, o claque do pé, o click da máquina, o claque do pé
O mundo comovendo-se, mirado por um olho só, parando o momento.
Do sol a uma mão, a outra, ouvido o ritmo, da música, do pé, da lente.

O click da máquina, o claque do pé, o click da máquina, o claque do pé
Como queria ela também dançar, ser orgânica, fluida, tardia à tarde,
Cansada de ser artista do tempo curto, de ser exata, relógio da imagem.

O click da máquina, o claque do pé, o clique da máquina, o claque do seu pé
De repente, deslizava os dedões e dedinhos dentre os grãos de areias,
Tão formosa quanto desajeitada, como a câmera balançando ao pescoço.

E preocupava-se será: que a lente não vai quebrar? Será que a lente
não vai cair?
É nova, é da América, é de quartzo. Porém agora ela que era nova,
da terra, de carne
Vida vivinda de não sei donde, vingando, na planta do pé, dando sentido as pulseiras
Flourescentes que sempre floriram seu tornozelo redondo, potente.

Deixou a câmera em um canto, escondida por folhas caídas e se esticou,
coxas para o alto, braços aos céus.
Mas poderia ela, soltar-se assim?(e o êxtase a tomava) De que valeria
aquele momento
Se logo tudo voltaria ao cinza das nuvens? (e notava que pensar já não valia)
E se perdesse seus olhos pesados? (o vento ventava ela toda, bailava em
marcha reta a uma luz qualquer,
Sabia que nada importava e não se importava com isso)

Do nada, nada em sua cabeça, aquele silêncio cheio, copo d’água para
ressaca da alma
Enquanto o mundo todo gritava a ela em raios luminosos, a música acariciava
sua pele
As unhas de outro, polidas, tocaram os dedos delas, roçaram o peito,
molharam a íris
Entrelançava-se sorrindo àquele corpo desconhecido, como nunca,
Sentia sua tez negra, lisa, moviam-se improvisando, traço e compasso
e deslizes.
Já era noite e o sorriso descansava aberto, em frenesi vidrado.
A luz dos lampiões faziam o escuro mais dia que o dia, e se somavam a ilusão,
O que tinha dentro brilhava tanto que se espalhava até voltar,
juntando corpo e olho.

Então notou que uma mancha rápida, um pivete qualquer desaparecia com a
sua câmera.
Fingiu que não viu e continuou a bailar, embalada.
Sentiu uma lágrima escorrer-lhe a face, depois de anos:
Não sabia se de alegria ou tristeza e por isso ficou intensamente feliz.