quinta-feira, 29 de março de 2012

Consumido e Consumado (Banho)

Sentado
Deixo a água esquentada
Passar pelo meus ombros
Enquanto imagens escorrem
Por minha medula.
O gosto da maconha na boca.
O desejo de ópio e de Oriente
Me invade pela orelha
Em alguma música.

Carros varrem as ruas vermelhas
Do meu desejo,
Desbotando no lugar vivo o que não via.
Vias inteiras abertas fluem.
Força a porta um homem,
Não consegue entrar.
A jovem sim entra
Cheia de pernas
Enlaçando a carne lacinante
Antes de transformar-se em nada.
Tocando minha pele tambor
Suando o vapor que já existia
Em um gosto novo, sincero e salgado.

Antes entrava na nova vida
Agora afundo nela.
Carro mil cavalos rumando ao fundo
Engolido na areia negra.
Vento imbatível derruba tudo pela frente
Até empacar em uma cordilheira de árvores
Caídas.

Escalo, passo a pé, o ferro-velho
Depósito de máquinas enterradas na terra.
Quão engenhosos seus propósitos
Se alaranjado na chuva.
Talvez eu pise em um botão que me ejete,
Para outro mundo ainda.

Onde entre lagos e pastos
Ressurjo, Géiser, limpo, novo
Pronto para grande bravata
De mais uma noite na cama.

quarta-feira, 21 de março de 2012

Pouco?

Será que não seria melhor
Ser somente um pensador
Sentar jogando palavras para o alto
Para gatos ou peixes morderem
Enquanto o mundo me arde no canto da boca?

Será que não seria mais agradável
Abdicar dessa pilha de quedas
De falhas que se apresentam infalíveis
Em toques que a tudo quebram,
Barro que depois de lindo e seco racha?

Talvez suficiente seria jogar um currículo
Conseguir um emprego em qualquer porta
Que garantisse o uísque e o tempo da noite
O livro e o espaço da cabeça.

Uma vida silenciosamente genial, clandestinamente bonita
Casos pequenos como um beijo
Grandes como uma cama.
Passos arrastados e dançantes
Sapato mal-lustrado em meio aos arranha-céus.

Uma vida
Despretensiosa ao extremo de desistir de ser o que sonha
De se bastar com tudo que não existe, sem culpa
Confundindo a existência sonolenta
Com o sono do sempre.

domingo, 11 de março de 2012

Tudo é tão pouco

A dor de sábado a noite
E a lágrima derramada no cinema:
Tudo é tão pouco
Enquanto continuo sentado
Sob meu próprio nariz.

A mão que toca tímida a outra
Já não é minha, nem de metal
O filho não é meu, nem o carro
Muito menos a casa.

Ainda o eco logo vem para preservar
O que sobrou de um palito de dente nervoso
Mastigado por uma mandíbula de madeira
Que ressoa caixa acústica
O longo silêncio da lua.