sexta-feira, 17 de maio de 2013

Estou Escrevendo este Poema Agora


Eu não quero enlouquecer, penso.
Sento em um café no novo bom fim, caro e chique como o níquel.
Penso rápido como a vida é rápida. Noto o barulho, estou em uma avenida.
Estou escrevendo esse poema agora, escrevo.

Vejo postes enferrujados confusos entre as arvores. Vejo as palavras do chefe, os olhares dúbios. Preciso me fazer entender, penso. Preciso tomar a vacina para a gripe, penso.
Estou escrevendo este poema agora, penso.

Minha mãe acordou numa quarta-feira com o bucho cheio de água e dançou amarrada naquela cama, até que eu me expeli.
E vieram os presentes azuis e as tias que eu me esqueci.
Agora há uma janela antiga se abrindo ao lado do meu crânio.
No curto espaço entre a têmpora e a retina é sempre noite.
Alguém escreve esse poema, escrevo.

Será que vai chegar alguém conhecido? Tenho 17 anos, estou sentado na parte de fora do café, sozinho. Mas não posso ser visto sozinho, não posso ser visto sozinho.
Estou escrevendo esse poema agora, penso.

Busco a metáfora.
Lembro dos muros de vidro resistentes, tão em voga.
Feitos para ver e não tocar, como um mímico que inventa um vidro, enquanto inventamos o imperativo triste da comunicação.
Vontade de viver em um lugar onda não exista o conceito de transparência.
É como se tivéssemos esquecido como falar e estivéssemos sempre escrevendo, escrevo.

Caído frente a impossível tarefa de ser a teia e liga de si mesmo em meio a um tudo que engole.
Ao mesmo tempo raiva dos transeuntes querendo informações, me querendo.
O dilema de querer o outro junto e deixar-se silenciar.
A camisa de um engomadinho desaparecendo atrás das grades de metal.
Um prédio, a distancia, a demanda, a solidão.
Sempre se escreve em silêncio, escrevo.