quarta-feira, 30 de março de 2011

Eu iludido, ou a metáfora dos fósforos.

Ele guardava os palitos usados
Dentro da caixa de fósforos.
Não gostava de distinguir os vivos dos mortos.

Temia mais o prenúncio que a consumação.
O amor mau-respondido
Antes do não definitivo.
O tropeçar e a testa no chão
Antes do marulho do caixão.

quarta-feira, 23 de março de 2011

Cidades são mulheres (o mijo e a mágica)

I
O cheiro de mijo
À noite alguém
Encontrou bom abrigo.
Essa praça era cheia e minha
Agora só os ventos e seus perdidos.
Perde-se uma cidade como qualquer coisa.
Posso perder-me nela agora.
Enquanto formamos o mapa ou enquanto
Esquecemos o que lhe formou:
O tato aí existe, os dedos aí são dedos.
Embrenhamo-nos na bruma de fios e água.
II
A mulher também é uma cidade.
Seu centro é um subúrbio daqueles,
Onde os vulcões crescem e implodem
Antes de sabermos porquê.
Nas suas ruas os perfumes são extasiantes:
Correm pelas sarjetas junto aos carros antigos,
Junto aos vendedores de castanha de caju.
Quando se cai em um buraco do pavimento
Nunca se chega ao fundo.
Uma boca come o que as outras falam.
E não existe passo pensado ou sem motivo.

terça-feira, 15 de março de 2011

Reminsescências, por que não minguam?

Acordei hoje pão dormido
Duro, seco, sem esforço de ser gostado.
O gosto de maçaneta na boca
Da porta que não se entrou.

Na saída da estrebaria encontrei uma ferradura.
Pelo pó nela incrustado
Sabia os lugares pelos quais ela havia passado.
Segui a trilha a que ele me levava,
Acabei na mesma estrebaria.

Os vagões do trem se dividem
Em uma encruzilhada, caminho qualquer.
Nunca se juntam de novo.
A memória às vezes parece mais real
Do que vemos ou ouvimos.

Os encontros desencontram as canções
Que calcaram no couro da pele seus porquês.
O pé segue se arrastando tchh...tch...
E da boca salta um suspiro abafado pela mão.

quarta-feira, 9 de março de 2011

Só queria andar

Passo, passo, medo e passo.
Por que cheguei? Só queria andar.
Mas vocês vem com suas idéias de que há um mundo
E ele precisa de bolachas, brinquedos, sapatos.

Sentado ao ver o mar, o mar de movimento das massas,
Esqueço do oceano vasto da solidão:
Quando toco essas massa, ou onda,
Quando converso bebo brinco mergulho.
As vezes é dias de fusão e nesses sim Sou.
Também a máquina para. Energia é recurso infinito.
Torno-me a chave de fenda trancando as engrenagens.

A água transparente que me banho é a potência das potências.
Se converte além disso, quando a telha nos dá,
Em gigante gelatina, mãe d'água sem filamentos,
Me abraçando, vetando meu flanar.

Quem se demserece agora?
O mundo a eu ou eu ao mundo?
No instante seguinte transmuta-se belo,
Mesmo se gélido, em montanhas de imundos.
A dupla fronteira da alma:
O lado de dentro, o lado de fora.
A múltipla fronteira da conquista,
Melhor. As categorias derretendo pela manhã
E a gente se expandindo feito um tênis
Pisando um grande chiclete preto.

quinta-feira, 3 de março de 2011

Será que a conseqüência é o juiz do ato bem executado?
Seria em um mundo de atores belos e amantes da beleza.

terça-feira, 1 de março de 2011

Córte

Erva daninha, sujeito da história.
Cresce invisível ao pé da cama,
Quando notamos já somos fantoches
Dessa rubra máscara vazia.

Números escorrem líquidos por debaixo da porta
Enquanto se escutam os passos por detrás dela.
Será que é possível um ardor de entrega
Que nos acompanha como sombra?
Talvez não tê-lo seja sempre trair a quem se encontra.

As aranhas já tecem a minha volta
Quando recém deitei, nem sonhei.
As vejo, as entendo, mas fico imóvel.
Parece que é esperar assim por algum aspirador
Ou romper tudo de uma só vez.

Levanto com braços de espada
Corto laço após laço, cabeça após cabeça,
De amigos queridos, carrascos infantis,
Irmãs de sangue, padres de palavreado vago,
Ídolos idealizados, amores perdidos e encontrados.
A nação e seus ancestrais, a mãe, o pai.
Enquanto rolam os membros e cintos,
Deslumbrado de terror e êxtase
Danço a capoeira que não sei,
Uso o ábaco qual nunca usei.
A melodia mais bela explode do pulmão
Só para os comparsas deste deserto de sal.
O peito pressente a cápsula ou a lâmina:
Por não temê-la segue aberta sem encontrá-la.