quarta-feira, 23 de março de 2011

Cidades são mulheres (o mijo e a mágica)

I
O cheiro de mijo
À noite alguém
Encontrou bom abrigo.
Essa praça era cheia e minha
Agora só os ventos e seus perdidos.
Perde-se uma cidade como qualquer coisa.
Posso perder-me nela agora.
Enquanto formamos o mapa ou enquanto
Esquecemos o que lhe formou:
O tato aí existe, os dedos aí são dedos.
Embrenhamo-nos na bruma de fios e água.
II
A mulher também é uma cidade.
Seu centro é um subúrbio daqueles,
Onde os vulcões crescem e implodem
Antes de sabermos porquê.
Nas suas ruas os perfumes são extasiantes:
Correm pelas sarjetas junto aos carros antigos,
Junto aos vendedores de castanha de caju.
Quando se cai em um buraco do pavimento
Nunca se chega ao fundo.
Uma boca come o que as outras falam.
E não existe passo pensado ou sem motivo.

Um comentário:

Julianna Dale Coutinho disse...

Lembrei de duas coisas.

Uma citação da Sarah Kane em Phaedra's Love: "i always suspected the world didn't smell of fresh paint and flowers; it smells of piss and human sweat."

E essa, do Italo Calvino: "A cidade tentacular, a cidade labiríntica, pode ser percorrida em diferentes velocidades e a partir de inúmeros pontos de vista. E a cada uma dessas velocidades, e a cada um desses pontos de vista, se revelará uma cidade diferente. Uma coisa só será considerada real ou fantasiosa, verossímil ou inverossímil , banal ou insólita, a partir da pressa e da altura em que a observamos"