sábado, 30 de novembro de 2013

O esgoto correndo negro

O esgoto correndo negro, nas ruas de Maputo
A milícia saiu para o seu retiro de campo e se armou pela democracia.
Eu era jovem quando aí,
Jovem como aquelas mudinhas que o governo planta nas calçadas e nunca crescem,
Porque falta terra.
Era bonito também.

Criava um mito, eu? A cada dia.
E tinha capulanas e era sem guerra,
Pura cor e frutas (o que é que a baiana tem? –
como eu adorava a Carmen Miranda aos 6 anos!).
Mas era mais vivo que o vivo e também escorria,
Em poesia luminosa, como uma barra de urânio,
Líquido,
Soviético,
Da pélvis a cabeça
Ligada ao teto pontudo
Das cabanas.
Em seu avesso só escravidão, cabeças baixas
(não me aproveitava também delas?),
Que queria libertar, iluminar
(A alma de um Che caricato despertando dos rios do Congo).

Quando volto, minha?
Quando voltas a ser minha (agora que sei que nada se tem)?
Quando terei de novo o prazer de correr em seus rios,
Ser água desviando dos crocodilos

Que querem comê-la?

baixinha, uma carta para multiplicar-se

baixa,
a cidade baixa, o plano piloto, planas, áreas planas em cidades, uma montanhosa, outra plana. uma saída da vida, outra saída da planta (que enfim, não deixa de ser vida).
li agora as cartas de passos e benevides, de áfrica a rio.
correspondências mescladas, molhadas, sem filtro entre sentimentos , fazendo-se múltiplas ao falar dos negrumes, das negritudes, fome e vida (como as fotos de sebastião que me desses, como minha viagem).
quero que tu leia essas cartas, acho que são inspirações para recomeçarmos correspondências, como vínhamos falando, para que a comunicação seja como aquele jogo que tinha em tramandaí, lembra?
Air hockey. Algo mágico, tipo um ventilador de elétrons, que fazia que quando soprasse (o barulho dele era como de uma geladeira, mas ao contrário) a gravidade ficasse suspensa e aquele disco laranja ridículo se tornava como que encantado, voando, desenhando faixos de luz laranja em cima daquele branco gelo do fundo (air hockey). 

afinal, as moedas tem muito mais lados do que pensamos.

domingo, 22 de setembro de 2013

Avenida em São Paulo

Estendeu-se uma fina rachadura pela parte externa do vidro.  Quando tentou tocá-la vindo do quarto não conseguia sentí-la, pois não atravessara para seu lado. Colocou a mão por fora da janela, mas logo parou com medo de se desequilibrar e cair. Via a imagem por trás da rachadura: a avenida onde morava e mais especificamente o outdoor, tela de disposições intercambiantes, simulacro de todos os sonhos, então levemente arranhado pelo seu vidro-lente.
Foi invadido por imagens de seus pais, as fotos apaixonadas que mandavam do Araguaia, os longos debates regados a vinho barato, recitando em voz baixa os ideais de estudante aprendidos em livros europeus. O sonho galopante pintando de vivo aquele país de sangue em porões, como uma plantação nascendo em terra vermelha e sem chuva. Sua juventude vinha à mente: as grandes greves, as fugas da polícia, as noites em claro discutindo a dívida externa e os casais do partido, os emocionados choros após os discursos de Lula, aí tomado como busto. Antes ainda, os jogos de futebol nas ruas vazias devido ao preço hiperinflacionado do combustível junto aos meninos do bairro que não tinham pais que falavam francês, nem sabiam o que era leninismo, mas que amava, conterrâneo. Acessava o mar de memória, fantasia e idealização, normalmente só visível antes de dormir, quando este se esparramava frente aos olhos fechados.

E pensar que tudo isso só acontecia devido à trincada abrupta e sutil que acometera sua vidraça. Ah! O embaçado necessário a toda vista verdadeira, como a menina que tirava os óculos para melhor ver. Por um segundo conseguiu focar somente aquele risco translúcido e o fundo se desfigurava em uma torrente espasmódica e miraculosa de cores dançantes, amarelos fluorescentes, azuis bravos, laranjas senis. Sua boca sorria levemente, crente que no mundo ainda havia belezas - há algo mais confortável ao solipsista do que o amor as ilusões de ótica? Mas logo a imagem trocava e ao fundo voltava a ver a linda moça negra em vestido de gala, acompanhada por seu namorado branco de smoking, o cálice de vinho tinto sobre a tolha alva , tudo bem disposto na sofisticada propaganda de hotel de luxo.

segunda-feira, 2 de setembro de 2013

7500 toneladas de querosene

I
7500 toneladas de querosene no tanque.
Vôo sobre mares e morros,
Como se a luz emanesse
Rompendo todas as cascas marrons
Que cercam meus músculos.
(Hollywood)

Isso não resolve nenhum problema.
Em um rasante tão rápido
Que nada vejo,
Gero um insuportável vento
Aos pequenos suicidas
Que dali debaixo
Continuam me observando.

II
Como deixei que esse fluxo quente
Fosse desvalorizado?

Por que não gera instantâneos?
Por que não é compatível com impressoras multifuncionais?
Por que mão gera maquetes?

7500 toneladas de querosene,
Combustível para toda uma vida
Despejados sobre o mar,
Para sonhar um plano de vôo
(Enquanto o avião despenca)

A letra morta está morta,
Voltemos à vida.

Adendo para mim:
Importante lembrar que para a vida convém usar todos os recortes e origamis possíveis da letra morta.

sábado, 10 de agosto de 2013

O que me sobra de vagância?

O que me sobra de vagância?
Ainda vejo poesia? (onde como? e por quê?)

Estou atrás da mesa, os papéis, as telas.
Mensageiros, braços meus, se alastram e voltam às tabelas,
Como gente comprimida em um barraco.
Mas, sinto que é meu reino.

Às vezes logo depois da chuva,
Quando por medo a rua ainda é vazia,
Saio pelos becos cheios de barro.
Sonho sangue e sinto-o subir pelas pernas.

Telefone.
Encontro um amigo num bar:
Conto uma vida, escuto outra.
E volto a casa,

Já é tarde.

sexta-feira, 17 de maio de 2013

Estou Escrevendo este Poema Agora


Eu não quero enlouquecer, penso.
Sento em um café no novo bom fim, caro e chique como o níquel.
Penso rápido como a vida é rápida. Noto o barulho, estou em uma avenida.
Estou escrevendo esse poema agora, escrevo.

Vejo postes enferrujados confusos entre as arvores. Vejo as palavras do chefe, os olhares dúbios. Preciso me fazer entender, penso. Preciso tomar a vacina para a gripe, penso.
Estou escrevendo este poema agora, penso.

Minha mãe acordou numa quarta-feira com o bucho cheio de água e dançou amarrada naquela cama, até que eu me expeli.
E vieram os presentes azuis e as tias que eu me esqueci.
Agora há uma janela antiga se abrindo ao lado do meu crânio.
No curto espaço entre a têmpora e a retina é sempre noite.
Alguém escreve esse poema, escrevo.

Será que vai chegar alguém conhecido? Tenho 17 anos, estou sentado na parte de fora do café, sozinho. Mas não posso ser visto sozinho, não posso ser visto sozinho.
Estou escrevendo esse poema agora, penso.

Busco a metáfora.
Lembro dos muros de vidro resistentes, tão em voga.
Feitos para ver e não tocar, como um mímico que inventa um vidro, enquanto inventamos o imperativo triste da comunicação.
Vontade de viver em um lugar onda não exista o conceito de transparência.
É como se tivéssemos esquecido como falar e estivéssemos sempre escrevendo, escrevo.

Caído frente a impossível tarefa de ser a teia e liga de si mesmo em meio a um tudo que engole.
Ao mesmo tempo raiva dos transeuntes querendo informações, me querendo.
O dilema de querer o outro junto e deixar-se silenciar.
A camisa de um engomadinho desaparecendo atrás das grades de metal.
Um prédio, a distancia, a demanda, a solidão.
Sempre se escreve em silêncio, escrevo.

sábado, 2 de fevereiro de 2013

Bala


Tenho uma máquina atrás da minha cabeça.
Ela sabe ver os cabos que se prendem
E tudo que pode fugir.

Por isso ponho entre os dentes uma bala de rifle.
Mastigo o maleável cobre
Até chegar a pólvora que faz minha língua dormir.
Fecho os olhos.
Sou um novo monstro.