domingo, 4 de setembro de 2011

Em dia de calor, até pássaro negro se derrete.



Ela viu o laranja do guarda-sol em dia de verão nublado,
Descolou o pé da sapatilha, colocou fundinho na terra.
Era tarde, era praça e os músicos de rua bailavam o povo
Com suas violas, guitarras, trompetes, saxes e jazzes.

O vestido verde água dela, curtinho, se ensaiava ao vento,
Mas o corpo seguia como o pé, enterradinho na terra.
Pegou a máquina e decidiu fotografar, capturar para amanhã
Os movimentos que não eram seus agora. Queria gravar as estranhas
Expressões que aparecem, quando se congela os que se mexem.

Então, cuidadosa, começou a rodear os dançarinos, em seus pares
Coloridos, ímpares, cantando com as pernas em meio à música instrumental.

O click da máquina, o claque do pé, o click da máquina, o claque do pé
O mundo comovendo-se, mirado por um olho só, parando o momento.
Do sol a uma mão, a outra, ouvido o ritmo, da música, do pé, da lente.

O click da máquina, o claque do pé, o click da máquina, o claque do pé
Como queria ela também dançar, ser orgânica, fluida, tardia à tarde,
Cansada de ser artista do tempo curto, de ser exata, relógio da imagem.

O click da máquina, o claque do pé, o clique da máquina, o claque do seu pé
De repente, deslizava os dedões e dedinhos dentre os grãos de areias,
Tão formosa quanto desajeitada, como a câmera balançando ao pescoço.

E preocupava-se será: que a lente não vai quebrar? Será que a lente
não vai cair?
É nova, é da América, é de quartzo. Porém agora ela que era nova,
da terra, de carne
Vida vivinda de não sei donde, vingando, na planta do pé, dando sentido as pulseiras
Flourescentes que sempre floriram seu tornozelo redondo, potente.

Deixou a câmera em um canto, escondida por folhas caídas e se esticou,
coxas para o alto, braços aos céus.
Mas poderia ela, soltar-se assim?(e o êxtase a tomava) De que valeria
aquele momento
Se logo tudo voltaria ao cinza das nuvens? (e notava que pensar já não valia)
E se perdesse seus olhos pesados? (o vento ventava ela toda, bailava em
marcha reta a uma luz qualquer,
Sabia que nada importava e não se importava com isso)

Do nada, nada em sua cabeça, aquele silêncio cheio, copo d’água para
ressaca da alma
Enquanto o mundo todo gritava a ela em raios luminosos, a música acariciava
sua pele
As unhas de outro, polidas, tocaram os dedos delas, roçaram o peito,
molharam a íris
Entrelançava-se sorrindo àquele corpo desconhecido, como nunca,
Sentia sua tez negra, lisa, moviam-se improvisando, traço e compasso
e deslizes.
Já era noite e o sorriso descansava aberto, em frenesi vidrado.
A luz dos lampiões faziam o escuro mais dia que o dia, e se somavam a ilusão,
O que tinha dentro brilhava tanto que se espalhava até voltar,
juntando corpo e olho.

Então notou que uma mancha rápida, um pivete qualquer desaparecia com a
sua câmera.
Fingiu que não viu e continuou a bailar, embalada.
Sentiu uma lágrima escorrer-lhe a face, depois de anos:
Não sabia se de alegria ou tristeza e por isso ficou intensamente feliz.




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